quarta-feira, 15 de julho de 2009

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Na Escola Rosa Ramalho, houve um recital de poesia, onde oslunos do 2º e 3º ciclos declamaram poemas de autor, ou próprios. Estes três poemas de autor foram alguns dos textos escolhidos, como forma de sensibilizar os alunos para o texto poético, para a leitura expressiva, o espírito crítico e autónomo.

Com o poema "Lágrima de Preta", pretendeu-se chamar à atenção para a igualdade entre os homens e o respeito pelas diferenças. No texto "Ser Poeta", salientou-se a possibilidade de os homens serem tudo aquilo que quiserem, através da poesia e do sonho. O "Mostrengo", serviu como motivação para a introdução dos "Lusíadas", no nono ano. Toda a comunidade educativa participou.

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Lágrimas de Preta















Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

(António Gedeão)

Ser Poeta



















Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!

É ser mendigo e dar como quem seja

Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendos

É não saber sequer que se deseja!

É ter cá dentro um astro que flameja,

É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!

Por elmo, as manhãs de oiro e cetim…

É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente…

É seres alma e sangue e vida em mim

E dizê-lo cantando a toda a gente!


(Florbela Espanca)

Mostrengo

















O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau vou três vezes,
Voou trez vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Trez vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-rei D. João Segundo!»

Trez vezes do leme as mãos ergueu,
Trez vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quere o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
D' El-rei D. João Segundo!»

(Fernando Pessoa)